segunda-feira, 30 de abril de 2012

A preguiça da polícia



Flavio Gomes, no seu blog, em 5 de abril

"Vou reproduzir (na íntegra, os erros são por conta) trechinho de reportagem de hoje da 'Folha de S.Paulo' sobre o show de Roger Waters no Morumbi. Falava sobre a ação daquilo que em SP, talvez no Brasil todo, é chamado de 'flanelinha'. São os guardadores de carros. Os caras que roubam a gente sob o olhar bovino das autoridades.

A Polícia Militar explica que quem for coagido a pagar para estacionar na rua deve ligar para o telefone 190 e se dirigir a uma delegacia para registrar o caso. Para que o suspeito seja preso em flagrante, no entanto, é preciso prestar depoimento, o que, no caso de quem vai a um show, implica em perder a apresentação.

Pois bem. Então é assim. Você está chegando com seu carro ao Morumbi. Cheio de policial na rua. Cheio. PM, civil, Guarda Municipal. Giroflex a milhão, iluminando a noite nervosamente. A viatura ali, eu aqui. No caminho, o flanelinha. Para aqui, patrão. Ele guardou uma vaga com um cavalete, um cone, um paralelepípedo. A vaga fica na rua, que é pública, pela qual pago todos os dias com meus impostos. Eu paro o carro. O cara vem e diz: acerta agora, patrão. Acerta o quê? Jã não se usam mais eufemismos como 'um café', 'uma cervejinha'. Acerta agora, patrão. Aí o cara diz quanto, e eu pago. Dependendo do evento, 50 reais. Até 100, em shows como esse. E o policial ali.

(Aqui, um parêntese, sem querer dar uma de mais macho do que sou. Muitas vezes me faço de idiota e bato de frente, mas é claro que depende da situação. Pergunto, sim, 'acertar o quê'? Para, depois, disparar um chatíssimo discurso sobre lugares públicos, direito de ir e vir, de pagar só se quiser e quanto eu quiser. Isso, no entanto, não funciona em jogos de futebol e shows. Quando muito, em algum lugar de grande movimento e vagas raras, onde os flanelinhas são avulsos e meio avoados. Quando tenho de ficar cinco ou dez minutos num lugar, para comprar um negocinho ou deixar um documento. Eles desistem de me pedir dinheiro. Mas não sou otário. Em shows e jogos, acerto, sim. Mas estou prestes a colocar em prática um plano infalível, que é usar dinheiro falso nesses grandes eventos. De noite, o filho da puta nunca vai saber se uma nota de 50 é verdadeira, ou falsa. Estou comprando notas falsas de 50 para levar o projeto a cabo. Pago 5 reais por cada uma. Espero conseguir umas dez para usar até o fim do ano. Sugiro a todos que têm comércio e que recebem de vez em quando notas falsas, que guardem-nas para usá-las em shows e jogos de futebol. Só tomem cuidado para não serem denunciados pelos flanelinhas aos policiais. Pode dar flagrante.)

Voltando. Pela explicação da PM, se eu me dirigir ao policial quando estiver sendo achacado diante de seu nariz adunco, ele não pode fazer nada. A não ser que eu queira ir à delegacia levando pelo braço o cara que me chamou de patrão e me pediu para acertar. Perco o show e não acontece nada com o cara, óbvio.
É claro que o policial pode fazer qualquer coisa sem ir à delegacia. Ele está presenciando um crime. Uma contravenção. Ele tem a obrigação de agir. É para isso que eu pago seu salário, também. Pela lógica da PM paulista, se o cara me enfiar uma arma na cabeça, diante de um policial, ele nada poderá fazer. A não ser que eu, respeitosamente, peça ao criminoso para aguardar um pouco, que chamarei o policial para irmos todos à delegacia registrar o ocorrido. Se o meliante me matar, teremos de ir todos, ele, o policial e minha cabeça espatifada, à delegacia. Então ele será detido. Ou talvez não, sei lá. Porque estarei morto e não poderei prestar depoimento. Caso contrário, restarei no asfalto todo estropiado até que o rabecão venha remover meu corpo. Pela lógica da PM paulista, se um cidadão explodir um caixa eletrônico e um policial estiver passando diante do espetáculo pirotécnico, nada poderá fazer, a não ser que o dono do banco compareça ao local e vá à delegacia para prestar depoimento. Pela lógica da PM paulista, posso atropelar um transeunte na frente de um camburão da Rota que seus bravos soldados nada poderão fazer, porque a vítima estará com todos seus ossos quebrados, incapacitado de me denunciar e me acompanhar à delegacia para prestar queixa.

A explicação da PM para a liberdade concedida aos flanelinhas é uma desfaçatez. Um escárnio. Uma ofensa. Lotear as ruas e extorquir as pessoas é crime. Ninguém precisa denunciar. Ninguém precisa prestar depoimento. O policial tem, simplesmente, de deter o cidadão que está praticando um crime diante de seus olhos. Me parece muito lógico isso.

No exemplo dos flanelinhas de SP, entendo que o crime está liberado na cidade, no Estado, quiçá no país. Os policiais servem exclusivamente para conduzir suspeitos e reclamantes à delegacia. Crime só se configura na delegacia, é o que compreendo, desde que todos estejam de acordo. Com denúncia, suspeito, depoimento. Se o suspeito não quiser ir à delegacia, porque está com enxaqueca ou simplesmente entediado, ou para não perder a novela, ou porque decidiu tomar uma com os amigos, não vai e foda-se. Não vai e não há crime.

Como é que uma instituição como a Polícia Militar tem coragem de dizer o que disse à reportagem da 'Folha'? Será que não tem vergonha de passar tamanho ridículo? Por que não diz, simplesmente, que tem preguiça de agir? Que dá trabalho, e que estão todos cansados? Que está pouco se fodendo para quem está sendo achacado e ameaçado na rua, a centímetros de seus olhos embaciados? Que está cagando para os cidadãos que querem apenas ir a um jogo ou a um show numa bosta de cidade que não oferece transporte público decente?

Nem é preciso dizer o que acontece com seu carro se você, patrão, não acerta com o flanelinha. Aliás, essa hipótese, hoje em dia, nem existe mais. Você tem de acertar, porque se não o fizer, nem estaciona o carro na vaga que ele loteou em logradouro público na cara do PM ou do guarda civil que o observa de braços cruzados sobre o colete à prova de balas. Ou nos estacionamentos irregulares em terrenos invadidos, que os corajosos policiais também não impedem que o sejam.

Quem vai a shows ou jogos de futebol já sabe o que fazem os policiais e guardas municipais, qual sua principal atividade. Eles gostam de acelerar suas motocicletas no meio da multidão, de dirigir como cachorros loucos, de ligar a sirene e jogar suas viaturas contra as pessoas que caminham pelas ruas, porque calçadas não há, batendo a mão espalmada na porta e jogando fachos de luz no rosto dos suspeitos.
Suspeitos, no caso, nós. Nós, suspeitos de não contribuirmos com a putaria da qual eles fazem parte com seus amigos flanelinhas. Bundões, é o que são."

Um comentário:

Anônimo disse...

Pô, concordo contigo nessa aí dos flanelinhas e tal, mas... Você vai de carro pra jogo e show grande? PQP! Você é doido ou corre atrás de carro parado? :P